segunda-feira, 16 de abril de 2012

Autodesprezo

Hoje eu estava fazendo uns exercícios de vestibular e me peguei com esse texto, usado na prova de Língua Portuguesa da UESC (Universidade Estadual Santa Cruz, Bahia) de 2009. Foi publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador, em 14 de agosto de 2008. Um texto que me fez pensar bastante a respeito do "nosso autodesprezo". E apesar de ser um texto relativamente antigo, cada dia que passa acaba fazendo mais sentido - e essa tendência só tende a crescer, infelizmente.
 Em entrevista a este jornal, no último dia de julho, João Ubaldo Ribeiro disse que o Prêmio Camões, recebido por ele, tem “muito mais repercussão em Portugal”, acrescentando: “Se fosse em inglês... mas, como é nosso, não tem tanta importância, estamos acostumados com o autodesprezo.”
 É uma observação grave — e, infelizmente, verdadeira. Em nosso país os corações só se levantam pelo futebol, novelas de TV e música de segunda e 10 terceira categorias. Sem falar no Carnaval, mesmo já tão descaracterizado. Não é uma questão de QI inferior,como disse aquele outro, mas de baixa educação mesmo. Desde que a ditadura militar acabou com o ensino público de primeiro e segundo graus, afundamos cada vez mais num abismo de ignorância, sem nenhuma atenção para a inteligência e a sensibilidade. Sem base adequada, fica difícil para qualquer um se desenvolver. É uma tristeza ver como os estudantes chegam hoje à universidade, a qual teve de baixar o nível das exigências, do contrário ficaria às moscas...
 Nunca fomos, na verdade, grande coisa, mas já fomos melhores. Em certos aspectos, muito melhores. Recordo bem que a Bahia admirava a inteligência e o talento, orgulhando-se de uma tradição ligada às letras e às artes. Nos anos 1960, quando vim estudar em Salvador, chegando do interior, encontrei um ambiente fervilhante de pintores, escultores, poetas, ficcionistas, jornalistas, sem falar no Cinema Novo, que repercutia mundo afora. E os estudantes eram incansáveis em 30 atividades políticas e culturais. Tudo bem diferente do marasmo de agora.
 O “autodesprezo” a que se refere João Ubaldo acentuou-se muito nos últimos tempos. Não é uma manifestação de qualquer tipo de superioridade — mas 35 de  inferioridade.  As nações mais cultas não se autodesprezam  jamais: ao contrário, orgulham-se de todos os seus feitos. Dos seus heróis históricos, dos seus artistas, dos seus cientistas. Nós, não: esnobamos essa gente. Esnobamos nossos grandes feitos. Ah, 40 somos muito vivos, muito sabidos, pensam que nos enganam? Nada disso tem importância, tudo é só malandragem. Conversa fiada. E quando o conquistador da honraria é um nordestino — ora, quem é que vai levar a sério uma coisa dessas?!
 João Ubaldo está certíssimo: o Prêmio Camões, embora ganho por um brasileiro, tem muito mais repercussão em Portugal. No Brasil, onde deveria acontecer uma grande comemoração, só a Bahia fez boa divulgação do evento (as pífias matérias na imprensa 50 do Sudeste merecerão um comentário posterior).Procuramos, assim, desmerecer uma glória das mais legítimas. Porque adotamos (ou fomos condicionados a) uma visão medíocre da vida, mediocrizamos tudo. Qualquer coisa um pouco mais alta é como uma agressão, só merece o nosso desprezo. Que é o autodesprezo com que procuramos disfarçar nossa pobreza de espírito, ai de nós.
Ruy Espinheira Filho 
  

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